
O livro é uma compilação de textos de Jean-Louis Comolli, cineasta e escritor francês,que foi diretor da revista "Cahiers du Cinéma, entre 1966 e 1978. Fez diversos filmes documentários e publicou ensaios importantes com "Machies of the visible" e "Technique and Ideology: Camera, Perspective, Depth of Filed", publicado em antologias inglesas de estudo de cinema e comunição. Seu trabalho procura repensar o cinema como lugar de produção e manutenção da ideologias do poder que surgiram após Maio de 68.
Achei também esse interessante comentário de Ricardo Romaff em seu blog:
Lançado em 2008, Ver e Poder, faz parte da coleção Humanitas, da Editora UFMG. Os artigos foram selecionados e organizados pelos professores da UFMG César Guimarães e Ruben Caixeta (o primeiro também é um dos organizadores de outras duas obras interessantes: Comunicação e experiência estética, de 2006 e O comum e a experiência da linguagem, de 2007). O título já sinaliza a abrangência temática da compilação, que reúne artigos escritos para diversas publicações e manifestações de Comolli em debates. No geral, são reflexões em torno do documentário, que se ampliam num plano mais filosófico para discutir o olhar, o real no cinema e a condição das personagens do documentário. O autor aborda a complexidade de cada questão de forma muito clara e, com freqüência, poética.
O trecho abaixo integra A parte da sombra, publicado originalmente em Dictionnaire des utopies (Larousse, 2002):
O cinema desloca o visível no tempo e no espaço. Ele esconde e subtrai mais do que ‘mostra’. A conservação da parte de sombra é sua condição inicial. Sua ontologia está relacionada à noite e ao escuro de que toda imagem tem necessidade para se constituir. Por tudo o que a escrita cinematográfica mobiliza de mais exigente (notadamente pelo fora-de-campo e a montagem), a vida ou a sobrevida das sombras nos aparece como uma das maiores apostas de hoje: são a própria marca daquilo que resiste a se deixar reduzir aos programas e às narrativas autorizadas.Algo de sombra perfura o visível e o desfaz. Essa sombra, paradoxalmente, se refugiou no cinema – o mesmo cinema que modelou nossas sociedades e as levou a uma visibilidade exacerbada. A máquina cinematográfica produz sombra tanto quanto luz, fora-de-campo tanto quanto campo. Talvez por ser máquina? Por que uma parte de impensado e de incontrolado subsiste nela e em nós? Se as máquinas são elas mesmas apenas parcelas do mundo, elas só podem confessar, sem denegação possível, que não o têm por inteiro em seu poder. Qualquer máquina é limite e nos impõe a consciência desse limite. Há um ponto cego da máquina de ver. Filmar se organizou historicamente como algo que gira em torno desse ponto cego. Contra as falsas certezas e as falsas inocências do visível, contra a própria ‘naturalidade’ do visível, ver, no cinema, é começar por não ver, aceitar não ‘ver tudo’, não ‘tudo de uma vez’, não ‘tudo ao mesmo tempo’; ver segundo uma organização temporal e espacial, uma decupagem, um corte e uma montagem do mundo.Esquecemos o que mais sabemos: que o quadro é antes de tudo uma máscara e o fora-de-campo mais potente que o campo. É tudo isso que o cinema convoca ainda hoje: o não visível como o que acompanha, margeia e penetra o visível; o visível como fragmento ou narrativa ou leitura do não visível do mundo – e, como tal, historicamente determinado e politicamente responsável; o visível como episódio de uma história que ainda está por ser contada; o visível como lugar do engodo renovado quando quero acreditar que verdadeiramente vejo. No cinema, qualquer escopofilia encontra seus limites e sua crítica, o que a restringe e a coloca em crise. A parte da sombra se torna o desafio e o agente da representação: abrir para o espectador a possibilidade de perceber e talvez de entender o que não se deixa facilmente ver, o que escapa ao concreto da representação, o que não se pode ou não se quer mostrar, o que fascina o olho maquínico (…); mas também confrontar o espectador com os próprios limites do poder de ver, do ver como poder: fazê-lo perceber como, desde sempre, olhar e poder estão ligados, e que esse lugar do dono do olhar é também, claro, o da cegueira mais perfeita.
Prefácio escrito pelos professores da UFMG César Guimarães e Ruben Caixeta em que abordam o documentário, o real e outras questões. É uma ótima leitura para começar.
O link para o prefácio está aqui: http://www.4shared.com/office/aEEcqYQr/CAIXETA_GUMARAES_COMOLLI_intro.html
Fonte: http://ricardoromanoff.wordpress.com/2009/04/30/ver-e-poder-de-jean-louis-comolli/
Nenhum comentário:
Postar um comentário